O substractum de Portugal


Confirmando a intuição de Menéndez y Pelayo, temos que reconhecer, realmente, a existência no Ocidente da Península de uma família étnica, um pouco, senão bastante, diversificada da que residia no Centro e no Levante. Não nos demoraremos a deslindar complicados novelos genealógicos. Basta consignar que já Apiano Alexandrino, historiador das Guerras Ibéricas, se faz eco das divergências existentes entre Lusitanos e Celtiberos que, estando todos em luta contra Roma, não foi nunca possível obter a sua união. Dispondo duma alta erudição clássica, dificilmente haverá quem se socorra com tanta segurança das fontes histórico-geográficas do conhecimento da Península na Antiguidade como o ilustre professor da universidade de Erlangen, Dr. Adolfo Schulten, sábio explorador das ruínas de Numância. Pois no seu recente estudo sobre Viriato, o Dr. Adolfo Schulten aí alude, como factor de significação na vida social e militar da Península, ao que ele chama a "obstinação ibérica". A "obstinação ibérica", traduzindo de Lusitanos para Celtiberos, apesar do seu próximo parentesco, uma diferença que os séculos perpetuaram, decerto se radicava em causas mais fundas de que uma simples rivalidade de vizinhança, então bem fácil de explicar pelo apertado cantonalismo em que se confinavam, em relação umas às outras, as diversas tribos peninsulares.
Na verdade, se considerarmos que a Península foi passeada por inumeráveis invasões, para o Ocidente, – extremo inóspito e desamparado, seriam empurradas aquelas gentes mais antigas, quase autóctones, que não puderam resistir à conquista e não quiseram fundir-se com os novos senhores. Ou sejam Lígures, Celtas ou Iberos – para o caso a designação pouco importa – eis o tronco donde os Lusitanos derivaram. Representando assim na Península, como um substractum menos assimilável, uma etnia mais agarrada à terra, compreende-se desde já a arreigada índole agrária dessa grei, que, vivendo agremiada em estreitas mancomunidades agrícolas, bem cedo assentou os alicerces do futuro Portugal.

António Sardinha in «A Aliança Peninsular», 1924.

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