Espanha ou Espanhas?


Nem uma só vez se achará em nossos escritores a palavra espanhol designando exclusivamente o habitante da Península, não português. Enquanto Castela esteve separada de Aragão, e já muito depois de unida a Leão, etc., nós e as outras nações das Espanhas, Aragoneses, Granadis, Castelhanos, Portugueses e todos, éramos por estranhos e domésticos comummente chamados espanhóis; assim como ainda hoje chamamos alemão indistintamente ao Prussiano, Saxónio, Hanoveriano, Austríaco; assim como o Napolitano e o Milanês, o Veneziano e o Piemontês indiscriminadamente recebem o nome de italianos. A fatal perda da nossa independência política depois da batalha de Alcácer Quibir, deu o título de reis das Espanhas aos de Castela e Aragão; que conservaram ainda depois da gloriosa restauração de 1640. Mas Espanhóis somos, de Espanhóis nos devemos prezar; Castelhanos nunca. E que vis que são esses sonhadores de infames reuniões!...

Almeida Garrett in «Camões», 1825.

O roubo das Selvagens


Diz a sabedoria popular: de Espanha, nem bom vento, nem bom casamento. E de facto, os espanhóis continuam a fazer jus a este velho ditado. Não satisfeitos com o roubo duas vezes secular de Olivença, tentam agora em definitivo apoderar-se das Ilhas Selvagens. Uma afronta! Mas relembro que as provocações castelhanas já não são de agora: navios de pesca espanhóis invadem regularmente as águas portuguesas. Assim sendo, creio que se justifica o envio imediato de um navio de guerra para o largo das Ilhas Selvagens e um maior patrulhamento das nossas águas territoriais. Isto, claro, caso Portugal tivesse um governo verdadeiramente português, não comprometido com interesses obscuros, e sem medo de defender aquilo que é nosso por direito.
De notar, uma triste coincidência: o Rei de Espanha chama-se Filipe VI. Estaremos perante mais uma usurpação filipina?

Os dois significados da palavra "liberal"

Filosofia e as Sete Artes Liberais

Liberal, da palavra latina liberalis, diz-se daquele que é generoso (capaz de "liberalidades") e, de forma geral, de tudo o que é digno de uma pessoa de condição livre, em oposição à condição de escravo. Artes liberales ou doctrinae, as "artes liberais", é a erudição. Este primeiro significado sobrevive mais ou menos na expressão: as "profissões liberais" (advogado, médico, arquitecto, escritor, etc.), quer dizer, as que se exercem mais livremente do que as profissões assalariadas. A liberalidade consiste, então, em ter disposição a dar generosamente, ou então, o dom mesmo feito com generosidade. Ser liberal, no sentido que empregam esta palavra Bossuet, Molière e La Fontaine, é o contrário de ser mesquinho ou avaro. Este primeiro significado não faz nenhuma referência a uma doutrina política ou moral particular.
O segundo significado é ideológico. O liberal é então um partidário do liberalismo, doutrina que pode ser económica, moral, política, religiosa, e que faz da liberdade o princípio director (supremo ou inclusive único) da vida individual ou colectiva.
Ideologia por sua vez filosófica e religiosa, política e moral, económica e social, o liberalismo encontra resumida a sua expressão mais definitiva no hino que uma hierarquia maçónica fazia cantar em 1984 às organizações católicas no momento das manifestações pela liberdade escolar: "Liberdade, creio que tu és a única verdade".

Jean Madiran in revista «Roma», Março de 1987.

Natal não é quando o Homem quiser

Tolos

Nestes dias, que são os nossos, é muito comum, entre os círculos sociais que frequentamos, escutar a expressão: «Natal é sempre que o Homem quiser». E os Homens da nossa sociedade quiseram fazer um Natal à sua medida – um Natal puramente antropológico, sem qualquer rasgo de transcendência, porque isso poderia inviabilizar o "querer" dos Homens. Quiseram tanto um Natal à sua medida, que o Natal ficou sem medida alguma, sem altura nem profundidade. Deixou de ser Natal, para ser um tempo de maior dedicação à família, pelo menos o dia 25 de Dezembro, que quase ninguém prescinde de passar junto dos seus. Deixou de ser Natal para ser a época das iguarias tradicionais, e todos reivindicamos poder ter nas nossas mesas os sabores que ainda nos recordem aqueles tempos idos de quando ainda era Natal. Deixou de ser Natal para ser um tempo comercial, e nesta altura até surgem os mais interessantes dados estatísticos, que tentam, por exemplo, interpretar a preferência dos portugueses em efectuar os pagamentos através do multibanco. Outros há que tentam comprovar nestes tempos de maior agitação económica a famosa máxima «os portugueses deixam tudo para o último dia». Deixou de ser Natal para ser época de férias, e não apenas escolares, porque há muitos que aproveitam uns merecidos dias de repouso nas estâncias de neve. O Homem quis tanto um Natal à sua medida que despojou o Natal de significado, de sentido e lamentavelmente de transcendência.

Maria Imaculada e Portugal


Em todas as fases da História de Portugal, Nosso Senhor concedeu à nação lusa especiais graças de predilecção. E que maior graça de predilecção poderia prodigalizar, senão uma intensíssima devoção a Nossa Senhora, devoção essa que é o sinal dos predestinados?
Já vimos nos capítulos anteriores como a devoção mariana marcou profundamente a história lusa.
Desde a fundação do Reino, essa devoção estava presente de modo insigne: na cura milagrosa, atribuída a Nossa Senhora de Cárquere, de D. Afonso Henriques menino, primeiro Rei e homem-símbolo do Portugal nascente; no relacionamento com Santa Maria de Claraval, a quem Portugal foi consagrado como feudatário, como feudatário também foi de São Pedro Apóstolo; em incontáveis invocações que acompanharam passo a passo o esforço dos primeiros reis, para livrar o território luso do inimigo agareno.
Uma vez expulso o invasor, veio um período de guerras intestinas, no qual também esteve bem marcada a devoção a Maria Santíssima. Nesse período brilhou, como estrela de brilho magnífico, a virtuosíssima Rainha Santa Isabel, que perfumou toda a História de Portugal. Princesa da Casa Real de Aragão, com apenas 9 anos de idade foi para Portugal, onde completou a sua educação para a vida e sobretudo para a santidade.
Vieram depois as guerras para assegurar a independência e – bem incomparavelmente mais alto – a fidelidade à Santa Sé Romana. Também nessa fase foram muitas as devoções mariais; Nossa Senhora da Vitória, Santa Maria do Assumar, Nossa Senhora do Carmo, Santa Maria de Agosto, a Imaculada Conceição. Como homem-símbolo do Portugal dessa fase, sem dúvida se destaca o Santo Condestável.
Seguiu-se a fase das Navegações. Por toda a superfície da Terra os portugueses foram erigindo igrejas a Nossa Senhora, desde a primeira delas, em Ceuta, até o remotíssimo e tão querido e sofrido Timor, cuja Catedral, em Díli, é também consagrada a Nossa Senhora, sob a invocação da Imaculada Conceição. Homens-símbolos não faltam nesse período, desde o Infante D. Henrique com a Ínclita Geração, até, no crepúsculo dessa era de glória, o inigualável Rei D. Sebastião.
Na triste fase em que Portugal perdeu sua independência – e na perda dessa independência, como também em Alcácer-Quibir, causa próxima da perda, como não ver um castigo da Providência pelas infidelidades de seus filhos portugueses? – foi em Vila Viçosa que se concentraram as esperanças de Restauração. Vila Viçosa foi, com efeito, um foco de intensíssima devoção marial, que se irradiava para o Alentejo, para todo o Portugal continental e ultramarino. Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa foi, pode-se dizer, símbolo e penhor da Restauração. Foi a seus pés, sob seu olhar e não sem sua milagrosa protecção que se consumou em 1640 a Restauração.
Com o natural reerguer-se da nação, seguiu-se uma era de grande esplendor marial. São desse tempo a consagração do Reino a Nossa Senhora e o juramento da Universidade de Coimbra, de defender o privilégio da Imaculada Conceição.
Em todos os primeiros sete séculos da História de Portugal, sempre os reis estiveram à frente do imenso movimento global das almas em direcção a Nossa Senhora – com excepção, infelizmente, do período pombalino e, de certa forma, dos monarcas liberais do século passado, que pagaram pesado tributo aos erros do seu tempo.
O Brasil muito se beneficiou com a devoção a Nossa Senhora trazida pelos portugueses. Além do Padroado de Nossa Senhora da Conceição, literalmente incontáveis são as igrejas e capelas, sob as mais diversas invocações, consagradas no Brasil por obra dos portugueses. Essa terna e filial devoção a Nossa Senhora é precisamente um dos maiores benefícios que Portugal trouxe ao Brasil.
Já no século XX, precisamente sete anos após a instalação de uma república laica e persecutória da Igreja, Nossa Senhora Se dignou aparecer em Fátima e tomar a Terra de Santa Maria como pedestal de cima do qual falou ao mundo inteiro.
Na terceira aparição, a 13 de Julho de 1917, depois de mostrar aos três videntes o Inferno, disse a Virgem:
"Vistes o Inferno, para onde vão as almas dos pobres pecadores. Para as salvar, Deus quer estabelecer no mundo a devoção ao meu Imaculado Coração.
Se fizerem o que Eu vos disser, salvar-se-ão muitas almas e terão paz.
A guerra vai acabar, mas se não deixarem de ofender a Deus, no reinado de Pio XI começará outra pior. Quando virdes uma noite alumiada por uma luz desconhecida, sabei que é o grande sinal que Deus vos dá de que vai punir o mundo dos seus crimes, por meio da guerra, da fome e de perseguições à Igreja e ao Santo Padre.
Para a impedir, virei pedir a consagração da Rússia ao meu Imaculado Coração e a comunhão reparadora nos primeiros sábados. Se atenderem a meus pedidos, a Rússia se converterá e terão paz; se não, espalhará seus erros pelo mundo, promovendo guerras e perseguições à Igreja; os bons serão martirizados, o Santo Padre terá muito que sofrer, várias nações serão aniquiladas; por fim, o meu Imaculado Coração triunfará. O Santo Padre consagrar-Me-á a Rússia, que se converterá, e será concedido ao mundo algum tempo de paz.
Em Portugal se conservará sempre o Dogma da Fé, etc.
Isto não o digais a ninguém. Ao Francisco, sim, podeis dizê-lo".
Trata-se de uma mensagem sumamente séria, sumamente grave, mensagem profética e anunciadora de dias terríveis que ainda estão por vir. Mas mensagem que, em meio à tragédia, contém duas promessas de um valor inestimável: "Por fim o meu Imaculado Coração triunfará", e "Em Portugal se conservará sempre o Dogma da Fé".
A primeira dessas promessas é de âmbito mundial, sem dúvida; a segunda, mais restrita a Portugal, embora tenha sido formulada depois, de certa forma se ordena à primeira. De facto, só se pode entender a conservação do Dogma da Fé em Portugal como um elemento do triunfo global do Imaculado Coração de Maria, ou até como um meio para tal triunfo.
É muito bonito ver que, 800 anos depois de Ourique, em última análise Nossa Senhora veio reafirmar a mesma promessa de aliança que seu filho fizera a D. Afonso Henriques. Portugal parecia ter esquecido dela... mas Nossa Senhora veio lembrá-la.
"Quase todos os portugueses estamos convencidos de que Ela veio a esse coração de Portugal, que é Fátima, retomar o padroado da nossa terra, que pareceu quererem arrebatar-Lhe. Aquela, a quem a Igreja chama a Virgem fiel, não abandonou os que queriam abandoná-La" – disse o Cardeal D. Manuel Gonçalves Cerejeira em 1946, quando se comemoravam os 300 anos da consagração de D. João IV.
Meio século depois [1996], tais palavras permanecem actualíssimas.

Armando Alexandre dos Santos in «O Culto de Maria Imaculada na Tradição e na História de Portugal», 1996.

São Nicolau e o Pai Natal


Quem deu força à lenda do Pai Natal foi Clement Clarke Moore, um professor de literatura grega em Nova Iorque, com o poema "Uma visita de São Nicolau", escrito para os seus filhos em 1822. Moore divulgou a versão de que São Nicolau viajava num trenó puxado por renas e ajudou a popularizar outras características, como o facto de ele entrar pela chaminé na Noite de Natal. A explicação da chaminé vem da Finlândia, uma das fontes de inspiração do poema. Os antigos lapões viviam em pequenas tendas cobertas com pele de rena. A entrada era um buraco no telhado. E assim, de personagem real na Ásia Menor [Bispo de Mira], o Pai Natal imaginário passou a vir do Pólo Norte.
A última e mais importante característica incluída na figura do Pai Natal é a sua roupa vermelha e branca. Antigamente, ele vestia-se como bispo ou usava cores próximas do castanho, com uma coroa de azevinhos na cabeça ou nas mãos. Mas não havia um padrão. O seu visual actual foi obra do ilustrador Thomas Nast, na revista Harper's Weekly, em 1886, numa edição especial de Natal. Em alguns lugares da Europa ele ainda é representado com os paramentos eclesiásticos de bispo e, ao invés do gorro vermelho, tem uma mitra episcopal.

Fonte: «Guia de Curiosidades Católicas», 2007.

A el-Rei D. João IV


Que logras Portugal? Um rei perfeito.
Quem o constituiu? Sacra piedade.
Que alcançaste com ele? A liberdade.
Que liberdade tens? Ser-lhe sujeito.

Que tens na sujeição? Honra e proveito.
Que é o novo rei? Quase deidade.
Que ostenta nas acções? Felicidade.
E que tem de feliz? Ser por Deus feito.

Que eras antes dele? Um labirinto.
Que te julgas agora? Um firmamento.
Temes alguém? Não temo a mesma Parca.

Sentes alguma pena? Uma só sinto.
Qual é? Não ser um mundo, ou não ser cento.
Para ser mais capaz de tal Monarca.

Sóror Violante do Céu (1602-1693)