A Igreja e a Juventude (I)


Mudança na Igreja pós-Conciliar em relação à juventude. Delicadeza da obra educativa.

Outros aspectos da realidade humana também são contemplados com visão distinta pela Igreja após o Concílio. Da nova consideração sobre a juventude, existia já um sinal indirecto na deminutio capitis infligida à ancianidade na Ingravescentem aetatem de Paulo VI. Mas outros documentos expressam directamente este novo ponto de vista.
A filosofia, a moral, a arte e o senso-comum, ab antiquo até ao nosso tempo, consideraram a juventude como uma idade de imperfeição natural e de imperfeição moral. Santo Agostinho, que no sermão Ad iuvenes escreve flos aetatis, periculum tentationis (P.L. 39, 1796), insistindo depois na imperfeição moral chega a chamar estultícia e loucura ao desejo de repuerascere.
Devido à debilidade da sua razão, ainda não consolidada, o jovem é cereus in vitium flecti (Horácio, Ars poet., 163) e a sua menoridade reclama um tutor, um conselheiro e um mestre. Com efeito, faz-lhe falta luz para dar-se conta do destino moral da vida, assim como uma ajuda prática para transformar-se e moldar as inclinações naturais da pessoa sobre a ordem racional. Esta ideia foi colocada como fundamento da pedagogia católica por todos os grandes educadores, desde São Bento de Núrsia a Santo Inácio de Loiola, de São José de Calasanz até São João Baptista de La Salle ou São João Bosco.
O jovem é um sujeito na posse de livre-arbítrio e deve ser formado para exercê-lo de maneira que, escolhendo o cumprimento do dever (a religião não dá à vida outro propósito), se determine a si mesmo escolher esse unum, para o qual precisamente nos é dada a liberdade. A delicadeza da acção educativa deriva de ter como objecto um ser que é um sujeito, e como fim a perfeição deste. Em suma, é uma acção sobre a liberdade humana, que não a limita, mas que a produz. Sob este aspecto, a acção educativa é uma imitação da causalidade divina, a qual, segundo a doutrina tomista, produz a acção livre do homem precisamente enquanto livre.
A conduta da Igreja face à juventude não pode, por conseguinte, prescindir da oposição entre os seguintes elementos correlativos: quem é imperfeito ante quem é perfeito (relativamente, entenda-se), e quem não sabe, e portanto aprende, ante quem sabe (relativamente, entenda-se). Não pode deixar-se de lado a diferença entre as coisas e tratar os jovens como maduros, aos proficientes como perfeitos, aos menores como maiores, e, em última análise, ao dependente como independente.

Características da juventude. Crítica da vida como alegria.

Também em relação à juventude, a profunda doutrina tomista da potência e do acto serve de guia ao estudioso das realidades humanas, sustentando-a na busca das características essenciais desta idade da vida, e preservando-a do desvio que a conduzem as opiniões hoje dominantes.
Sendo a juventude uma vida incipiente, é necessário que compreenda e lhe seja explicado o todo da vida, isto é: o fim no qual a virtualidade do incipiente deve realizar-se, e a forma na qual a potência deve desenvolver-se. A vida é difícil, ou se quiser, séria. Em primeiro lugar, porque o homem é uma natureza débil, em combate com a sua finitude no meio da finitude de outros homens e da finitude das coisas (que tendem a invadir-se mutuamente).
Em segundo lugar (e isto é um dado de fé católica), o homem está corrompido e tende ao mal. E a causa das más inclinações, a condição da vida humana, atraída por motivos opostos, é uma condição de milícia, ou melhor, de guerra, ou melhor ainda, de cerco.
A vida é difícil, e as coisas difíceis são as coisas interessantes, porque o interessante está situado na essência (inter-est), dada como potência e que quer sair e explicitar-se.
O homem não deve realizar-se (como se costuma dizer), mas sim realizar os valores para os quais foi criado e que exigem a sua transformação. E é curioso que apesar da teologia pós-conciliar utilizar a palavra metanóia, que quer dizer transformação da mente, dê tanta ênfase à realização de si mesmo. Seguir as inclinações é suave; castigar o próprio Eu para o moldar, é duro. Tal dureza foi reconhecida na filosofia, na poesia gnómica, na política, no mito. Todo o bem é adquirido ou conquistado com fadiga. Os deuses, disse o sábio grego, interpuseram o suor entre nós e a virtude, e afirma Horácio: multa tulit fecitque puer, sudavit et alsit (Ars poet. 413). Que a vida humana é combate e fadiga era um lugar-comum da educação antiga e a letra épsilon converteu-se no símbolo disso, não a de dois braços igualmente inclinados, mas a pitagórica com um braço recto e outro inclinado. A antiguidade formou sobre ela a divulgadíssima fábula de Hércules na encruzilhada.
Hoje apresenta-se a vida aos jovens de um modo não realista, como alegria, substituindo a alegria da esperança que serena o ânimo in via, pela alegria plena que o apaga somente in termino. Nega-se ou dissimula-se a dureza do viver humano, descrita em tempos como vale de lágrimas nas orações mais frequentes. E depois, com essa mudança, apresenta-se a felicidade como o estado próprio do homem, constituindo assim algo que lhe é devido, o ideal consiste em preparar aos jovens uma senda livre de todo o obstáculo e sofrimento (Purg., XXXIII, 42).
Por isso, aos jovens, parece uma injustiça qualquer obstáculo que lhes surge, e não consideram as barreiras como uma prova, mas como um escândalo. Os adultos abandonaram o exercício da autoridade para deste modo agradar-lhes, porque crêem que não podem ser amados se não se comportam com suavidade e não lhes concedem os seus caprichos. A eles é dirigida a admoestação do Profeta: Vae quae consuunt pulvillos sub omni cubito manus et faciunt cervicalia sub capite universae aetatis ad capiendas animas (Ez. 13, 18).


Romano Amerio in «Iota Unum», 1985.

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Tradução das expressões latinas mais relevantes:
Deminutio capitis – Diminuição de capital.
Ab antiquo – Da antiguidade.
Ad iuvenes – Aos jovens.
Flos aetatis, periculum tentationis – Flor da idade, perigosas tentações.
Repuerascere – Rejuvenescimento.
Cereus in vitium flecti – Cera inclinada pelo vício.
Inter est – Entre o ser.
Multa tulit fecitque puer, sudavit et alsit – Suportou e fez muito quando menino, suou e passou frio.
Vae quae consuunt pulvillos sub omni cubito manus et faciunt cervicalia sub capite universae aetatis ad capiendas animas – Ai daquelas que cosem almofadas para todos os cotovelos e fazem travesseiros para as cabeças de pessoas de todas as idades, a fim de lhes apanharem as almas!

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